Apoio: Senac São José dos Campos Curadoria: Allan Yzumizawa PROJETO GRÁFICO: turma de Design Gráfico AM24 Senac São José dos Campos IDENTIDADE VISUAL: Ana Beatriz Ramires Franz e Murilo Campos Machado DESIGN DE APOIO: Julia Almeida do Nascimento e Ana Clara da Silva Paz Ribeiro.
06 à 31 de maio de 2025
A mostra formação de-formação propõe uma travessia pela obra de Jeff Barbato através da tensão entre o ato de formar e o inevitável processo de deformar. Com curadoria de Allan Yzumizawa a exposição é divida em cinco núcleos e cada núcleo explora a materialidade da fissura — seja ela física, emocional, filosófica ou social — como metáfora para a experiência humana contemporânea. Barbato reconstrói o quebrado, aceita a corrosão do tempo e rasga a terra das convenções. Alocada no ambiente escolar a mostra tem um viés educativo com foco no processo criativo, enfatizando as distintas etapas da evolução do processo criativo da artista. A jovem artista e também docente Jeff apresenta um pequeno recorte de seus primeiros oito anos de produção e dedicação às artes visuais.
ALLAN YZUMIZAWA, curador convidado:
O gesto inaugural de todo artista não começa na obra acabada, mas na escuta interior que precede a forma. formação de-formação, exposição da artista Jeff Barbato, propõe uma travessia que não possui como meta o produto final, mas valoriza as caminhadas do ato criativo com o vir-a-ser. Neste recorte de seus primeiros oito anos de produção (2017–2024), Jeff não expõe obras finalizadas, mas fragmentos dos processos, ensaios, tentativas e croquis que compõem o terreno fértil da criação artística. A mostra, instalada em ambiente educacional, acolhe e tensiona a dualidade entre formar e deformar.
Organizada tematicamente, a exposição traça o percurso de uma artista que compreende a fissura como linguagem. Em cada núcleo, vê-se a insistência em reconstruir o que foi quebrado, aceitar a corrosão do tempo e esgarçar os limites da matéria — seja ela física, emocional ou simbólica. Assim, a deformação deixa de ser vista como falha e passa a ser compreendida como força expressiva, como abertura de sentido e como potência construtiva. A escolha de apresentar processos em vez de obras acabadas não é mero artifício didático. É uma tomada de posição. Mostrar o inacabado é também revelar a vulnerabilidade do gesto criador, os desvios, hesitações e reconstruções que compõem qualquer percurso inventivo. Nesse sentido, formação de-formação dialoga diretamente com a vocação do espaço que a acolhe: a escola, lugar por excelência da experimentação, da escuta e do inacabamento como condição da aprendizagem.
Durante a produção da mostra, os próprios alunos de Jeff Barbato do curso de Design, foram convidados a acompanhar os bastidores da montagem e a desenvolver os materiais gráficos para a exposição. Tal gesto não apenas amplia a experiência estética dos estudantes, como também desloca a curadoria para uma prática partilhada, na qual se aprende fazendo — e criando junto. Ao revelar a anatomia da criação, formação de-formação reafirma a arte como um campo de investigação sensível. Não se trata de mostrar “como se faz uma obra”, mas de reconhecer a arte como linguagem de mundo, lugar onde o sujeito se reconstroi ao tocar os limites do informe.
SOBRE O CURADOR: É pesquisador de cultura e arte contemporânea e membro do Grupo de Estudos Arte Ásia (GEAA). Doutorando em História da Arte pela UNIFESP, pesquisa a obra de Tomoo Handa sob orientação da Profª. Drª. Michiko Okano. Mestre em Artes Visuais pelo PPGAV-UNICAMP e bacharelado em Artes Visuais pela mesma universidade. Atua como pesquisador e curador. Dentre os principais projetos como curador, destacam-se: Corpos da Água Vermelha (Prêmio Proac 2021), “A invenção do herói”, MAC Sorocaba-SP (2022), “O encontro é um lugar impossível”, Centro Cultural dos Correios, São Paulo-SP (2022) e “Exercício Ka’a”, Paço das Artes, São Paulo-SP (2023) e “Zonas de Sombra”, Pinacoteca de São Bernardo (2023). Possui interesse nas produções de arte contemporânea deslocadas dos centros hegemônicos e nas manifestações culturais regionais do Brasil e suas relações com as teorias pós-coloniais.
FISSURA LÁBIO PLATINA
Jeff Barbato nasceu “Tão sem boca, tão sem lábios, tão sem fala compreensível” – assim como é descrito o menino Rouxinol, personagem com fissura labiopalatina no livro Histórias de leves enganos e parecenças (2016), da linguista e escritora brasileira Conceição Evaristo. A partir dessa experiência corporal, o artista investiga a iconografia da fissura labiopalatina nas artes visuais, assim também ampliando seu olhar para as fissuras sociais. Em sua pesquisa, reconhece que, historicamente, a fissura labial foi interpretada por diferentes culturas como sinal de anomalia, castigo ou, em alguns casos, divindade. Na civilização Mochica, por exemplo, indivíduos fissurados eram vistos como seres sagrados. Jeff propõe ressignificar a fissura não como deficiência do sujeito, mas como reflexo de uma construção social de normalidade, explorando-a como metáfora para rupturas e possibilidades de transformação.

— ponto de partida da pesquisa de Jeff Barbato sobre identidade e ruptura. —
Nasci “Tão sem boca, tão sem lábios, tão sem fala compreensível” – assim como é descrito o menino Rouxinol, personagem com fissura labiopalatina no livro Histórias de leves enganos e parecenças (2016), da linguista e escritora brasileira Conceição Evaristo. A partir dessa marca em meu corpo, em meu lábio e em meu céu da boca, tenho me dedicado ao estudo da iconografia da fissura labiopalatina nas artes visuais e expandindo para outras percepções de fissuras sociais, partindo da interpretação do modelo de construção social ocidental como deficiente e não do sujeito, deste modo busco a libertação do sujeito e coloco a responsabilidade nos espaços, no modelo de sociedade pensado apenas para um tipo de corpo. Esse primeiro núcleo da exposição revela as raízes mais profundas da minha pesquisa e sensibilidade. É ali, nesse estágio embrionário, que eu atravessava a construção da minha identidade artística e acadêmica enquanto desenvolvia minha dissertação Ensaios para uma fissura: uma poética, em Artes Visuais pela UNESP. Foi nesse processo que encontrei no desenho minha primeira linguagem plástica. Desenhar, desde criança foi para mim uma forma de reconhecimento e reinvenção do meu corpo e da minha história, sempre incentivado por minha família e por minhas professoras e professores. Os rostos que desenho, muitas vezes inspirados em máscaras africanas, carregam uma ancestralidade híbrida. São máscaras que não escondem a fissura — ao contrário, ela é o centro, o eixo de tudo. Como disse Isabel Portella curadora do Museu da República ao escrever sobre a minha pesquisa poética: “o corpo não é o suporte da arte, mas é sim a total incorporação do corpo na obra e da obra no corpo.” Minha experiência com a fissura labiopalatina não é apenas biográfica: é forma, método e matéria. A cicatriz virou linguagem. Ela aparece nas imagens, nas marcas de ferrugem, nos papéis, nos gestos costurados — como quem sutura a própria história e, ao mesmo tempo, rompe com os padrões. De cada fissura, escapa a luz. E é por entre essas rachaduras que cresce a potência poética de um corpo que sempre esteve em processo — de cura, de questionamento e de criação.

OBJETOS QUEBRADOS: O CORAÇÃO DO ARTISTA
Em seu trabalho, a dor não é ocultada, mas transformada em matéria artística. Cada objeto quebrado, cada fragmento resgatado e reconfigurado, traduz um gesto de resiliência — uma tentativa de reconstruir o que foi ferido sem apagar suas cicatrizes. A criação emerge como resposta ao sofrimento: um processo em que o que é quebrado não é descartado, mas ressignificado. As obras expostas aqui revelam um coração vulnerável, mas também potente, que se recusa a ser silenciado pelas rupturas da vida. Através da arte, Jeff transcende a dor individual, oferecendo ao visitante uma reflexão sobre a capacidade humana de se reconstruir: imperfeito e mais verdadeiro.

sempre com fissura labiopalatina, como uma obsessão imagética. Ao todo foram criadas três máscaras, tendo por referência conceitual a lenda do Zen dos três macacos sábios e que representa os princípios de não ver, não ouvir e não falar o mal.
Neste segundo momento da exposição, compartilho o que considero a semente sensível da minha trajetória. É aqui que exponho meus primeiros enfrentamentos internos e artísticos — as dores da infância, as feridas abertas por relações amorosas difíceis e obssessivas. Esses momentos, mais do que temas, se tornaram camadas viscerais do meu fazer poético. Uma tentativa de dar forma ao indizível, de encontrar uma linguagem para o que me atravessava. Nesse processo, comecei a experimentar livremente com materiais e suportes diversos — fotografia, plástico, costura, tinta acrílica — numa busca por uma gramática própria das minhas dores. A impermanência, a fragmentação e a tentativa de reparo surgem aqui de forma ainda bruta, mas intensamente verdadeira. O caderno de processos que apresento é um registro íntimo desse tempo: nele estão esboços, pensamentos, experimentações e falhas que se acumulam sem hierarquia, mostrando o início da minha poética visual, sem amarras, movida pela urgência de compreender e traduzir o que me rasgava por dentro. Neste núcleo, convido o visitante a sentir o batimento inicial de quem não esconde suas fissuras — mas as transforma em matéria viva de criação. Cada gesto, cada costura, cada camada de tinta é um pedido de escuta. É minha alma em processo de cura — ainda trêmula, mas já comprometida com o ato corajoso de permanecer e criar. Para mim, o fazer artístico sempre foi, acima de tudo, um caminho de experimentação e construção de sentidos. Mais do que o objeto final, é o percurso que me interessa — as dúvidas, os ensaios, os erros e as descobertas que moldam meu pensamento visual e poético, que moldam a minha própria vida, não há separação entre a vida e a arte. Nesse sentido, o caderno de processos ocupa um lugar essencial. Ele não é apenas um repositório de ideias, mas um espaço de diálogo íntimo entre minha intenção e minha ação. Nele registro esboços, anoto referências, coleto fragmentos do cotidiano e reflito sobre minha prática. O caderno revela muito do que não está visível na obra final, e por isso decidi apresentar aqui um fac-símile — uma cópia direta — do meu próprio caderno. Quero que você possa tocar, folhear, se aproximar do meu processo de forma verdadeira. Porque cada obra/pedaço que apresento carrega em si a memória viva de sua construção, e esse caderno é uma porta de entrada para tudo isso, para todos estes processos que ainda estão em construção.
ACEITAÇÃO DO INEVITÁVEL: A FILOSOFIA WABI-SABI
Entre 2015 e 2017, Barbato incorporou em sua produção os princípios da filosofia Wabi-sabi, ligada ao Zen japonês e à relação íntima entre ser humano e natureza. Wabi-sabi valoriza a impermanência, a imperfeição e a incompletude, em contraste com o ideal ocidental de simetria e perfeição. Inspirado pela ideia de que tudo está sujeito ao tempo e à deterioração — da flor mais delicada à Torre Eiffel — o artista reconhece nas marcas do tempo uma beleza silenciosa. A técnica do kintsugi, que restaura cerâmicas quebradas com ouro, torna-se metáfora central: não apenas um reparo, mas a valorização das memórias e das cicatrizes como evidências de vida e transformação. Para Jeff, as fissuras materiais e simbólicas expressam a aceitação do inevitável e propõem uma reflexão crítica sobre o consumismo, a fragilidade e a poética da existência.

Falando em construção, neste recorte mergulho nas possibilidades de construção e reparação, explorando a tensão entre o frágil e o durável e a aceitação do inevitável. A madeira de demolição, o concreto recém-explorado e as folhas de ouro tornaram-se meus aliados na tentativa de dar forma visível às marcas do tempo, do corpo, do chão e da existência. Meus trabalhos desse período se organizam em estruturas modulares: caixas de madeira que abrigam o concreto fissurado, como se cada peça carregasse em si uma história interrompida e, ao mesmo tempo, renovada. As fissuras não são escondidas — pelo contrário, faço questão de destacá-las com ouro, numa releitura íntima do kintsugi, técnica japonesa que valoriza as cicatrizes como parte essencial da trajetória do objeto. O desenho e a fotografia continuam sendo meu ponto de partida nesses processos criativos, registrando ideias, linhas e memórias que mais tarde se desdobram na tridimensionalidade. Não busco apagar as rupturas — pelo contrário, quero exaltá-las, atribuindo a elas um valor quase ritualístico. Durante minhas pesquisas pude conhecer e trocar experiências com Francis J. Y. Marie, artista plástico graduado em Língua e Literatura Japonesa pela Sorbonne-Nouvelle, Paris-III (1982), segundo ele “kin #金 significa ouro tsugi #継ぎ significa juntar (remendar)”. Francis pesquisou sobre a laca urushi ou Charão (utilizadas no processo de colagem de cerâmicas restauradas com a técnica do kintsugi) na Universidade de Tóquio, no Instituto Nacional de Pesquisa de Bens Culturais de Tóquio e no ateliê Urushibeya do mestre Ogawara Enotsuke. Segundo o próprio Francis artefatos encontrados em sítios arqueológicos pré-históricos comprovam a utilização da laca desde o período Jōmon (7500 a. C.) no Japão.

Neste núcleo, apresento fragmentos do trabalho “Percurso 2”, um fragmento poético dessa fase, além de uma cerâmica que encontrei no lixo e restaurei usando o kintsugi —e este gesto que representa minha crença profunda na beleza das imperfeições, convidando o seu olhar a repousar nas delicadezas daquilo que o tempo toca. Apesar da minha tentativa de exaltar as fissuras com ouro, em 2019, durante uma leitura de portfólio com a artista plástica Anna Bella Geiger, escutei algo dela que mudou profundamente o rumo da minha pesquisa: “O ouro talvez não seja necessário, pois as fissuras por si só já apresentam efeito de exaltação”, essa fala me atravessou. Desde então, passei a repensar completamente o uso do ouro em meu trabalho, voltando meu olhar para as rachaduras em sua forma mais crua — deixando que elas falem por si, Anna Bella me deslocou, e isso foi ótimo.
AÇÕES DO TEMPO: OXIDAÇÃO
Desde 2016, Barbato adota a oxidação como matéria-prima, mas é a partir de 2021 que essa reação do tempo se torna central em sua produção. O ferro, em seu processo de enferrujamento, revela texturas e cores que transformam as obras lentamente, como nas monotipias Céu da Boca (2022). Para o curador Allan Yzumizawa, a oxidação atua como uma linha ambígua: fissura que separa e, ao mesmo tempo, une espaços distintos. Já o crítico de arte Jurandy Valença aponta que os trabalhos de Jeff evocam um trompe-l’oeil emocional, propondo ao olhar fragmentos, buracos e formas esvaziadas que se transformam em passagens e paisagens sensíveis. A ação do tempo, visível na superfície corroída das obras, torna-se cartografia viva das fissuras e permanências da existência. Aqui, O artista passa a construir seus trabalhos como quem desenha geografias invisíveis: mapas de rios, linhas de fronteira, tramas de fissuras que cortam e costuram o espaço.


Assumindo as fissuras como protagonistas, não vendo mais a necessidade do uso do ouro para exalta-las começo a explorar a reação do tempo de maneira mais profunda em meus projetos, passando a assumir os processos de oxidação como matéria criativa. A presença do tempo tornou-se central na minha pesquisa, e isso foi reconhecido por Allan Yzumizawa no texto que escreveu para a exposição Terra Rasgada (2022). Ele destacou como o ferro, aos poucos, vai se transformando — enferrujando, modificando sua cor e textura — assim como acontece em nosso corpo, em nossa terra e como essa ação do tempo atravessa obras como as monotipias Céu da Boca (2022), nas quais induzi o ferro a um processo de oxidação. Nesses trabalhos, a linha funciona “como elemento ambíguo e paradoxal: uma fissura violenta que corta e separa dois elementos, ao mesmo tempo em que é responsável por unir dois espaços distintos”. Já o curador, poeta, escritor e artista visual Jurandy Valença, ao escrever sobre a exposição O Vazio Abarcado (2022), comentou que, de certa maneira, meus trabalhos exibem um trompe-l’oeil — essa expressão francesa que se refere a uma técnica capaz de “enganar o olho”, utiliza truques de perspectiva para criar a ilusão de ótica de três dimensões em superfícies bidimensionais. Jurandy, percebe nas minhas obras uma proposta de fragmentos, fraturas e formas esvaziadas, como se essas composições abrissem uma passagem que também é uma paisagem. Uma cartografia marcada pelo tempo e suas fissuras. Hoje, abraço de vez o tempo como aliado e matéria-prima. A oxidação deixou de ser um mero acidente químico para se tornar algo desejado, conduzido e celebrado no meu processo criativo. O aço carbono, apesar da sua resistência aparente, se transforma em uma superfície viva, sensível à passagem dos dias — como se o próprio ar, a água e o tempo fossem meus cúmplices silenciosos durante os processos artísticos.

Passo a construir meus trabalhos como quem desenha geografias invisíveis: mapas de rios, linhas férreas e de fronteira, tramas de fissuras que cortam e costuram o espaço. As placas de concreto que produzo, dispostas como ladrilhos de uma cartografia íntima, dialogam com o aço oxidado, formando territórios onde se registram os embates entre permanência e transformação. Nas monotipias da série Céu da Boca, feitas com ferrugem e emolduradas com madeira e vidro — construídos por mim junto com meu pai —, revelo a delicadeza de um gesto essencial: o de aceitar o tempo como parceiro de criação. São imagens que surgem do desaparecimento, marcas que florescem da corrosão. Não imponho formas ao tempo — deixo que ele inscreva sua ação, instaurando uma poética da lenta metamorfose. A linha, que antes era apenas fissura, agora também é margem de rio, cicatriz de terra, passagem entre mundos. Neste núcleo da exposição, você vai encontrar recortes em aço carbono, onde linhas simulam trajetos de ferrovias antigas — trajetos imaginários que falam de partida, deslocamento, resistência, convidando-o a perceber que, no meu trabalho, o que corrói também é o que se revela.

TERRA RASGADA: ESCAVAÇÕES E RESISTÊNCIAS
No momento mais atual de sua trajetória, Jeff Barbato volta seu olhar para as fissuras sociais: rios, trilhos e rasgos na terra que revelam exclusões e desigualdades. A partir de memórias familiares e de sua infância, o artista constrói objetos poéticos que confrontam estruturas históricas de dominação. Inspirado por leituras como Conceição Evaristo, Vandana Shiva, Nego Bispo, Sunaura Taylor e etc, Barbato propõe obras que rompem o estabelecido e expõem a urgência de revisitar dores coletivas e pessoais. As linhas, antes feridas, tornam-se metáforas de resistência e cura. Trabalhando com o concreto — material de dureza e imposição — em contraponto à delicadeza das fissuras, suas peças denunciam marcas deixadas pelo progresso desigual e convidam à ressignificação. Ao escrever um texto crítico sobre a pesquisa de Jeff, Carollina Lauriano nos lembra que “é preciso enxergar onde dói, para assim buscar a cura” pensando em um futuro mais justo e humano.

Para fechar esse percurso, chego ao momento mais atual da minha produção: as fissuras sociais — como rios, linhas férreas, rasgos na terra — que demarcam as divisões excludentes impostas aos corpos dissidentes. Neste compasso mais maduro da minha trajetória, encontrei a pulsação singular da minha linguagem. O concreto e o aço carbono, materiais que me acompanham há anos, agora ganham contornos mais precisos, atravessados por linhas que não apenas cortam, mas costuram espaços de memória e de futuro. É a linha — ora fenda, ora ponte — que estrutura minhas investigações sobre as fissuras do mundo e do corpo. Como escreveu Carollina Lauriano no texto A linha que nos une é a mesma que nos separa, a infância e a memória familiar se transformam em objetos poéticos. Mas aqui, elas já aparecem reconfiguradas por uma escavação paciente e profunda. Retiro da terra e da história as marcas que quero revelar — sem jamais suavizá-las. Neste núcleo, apresento um fragmento da série Uma inesgotável escavação, onde o concreto, como uma pele antiga, carrega em si narrativas do tempo. Um mapa das linhas férreas usadas como referência reforça essa cartografia sensível — trilhas abertas a golpes, mas que, ainda assim, persistem. A revista Nossa Voz 1023, em que publico o texto Raios, Relâmpagos e Trovões, também está presente, trazendo à tona a história da civilização Mochica e dos corpos nascidos com fissura labiopalatina — ecos ancestrais que iluminam minha própria caminhada. Assim, convido você a enxergar que cada ruptura carrega dentro de si a potência de um novo mundo a ser desenhado.

Minha trajetória artística é, antes de tudo, um percurso de uma inesgotável escavação — de dentro para fora e de fora para dentro. Cada coisa mostrada aqui nesta exposição é uma tentativa de dar forma ao que, por muito tempo, foi silêncio: a fissura que carrego no corpo, mas também as fissuras do tempo, da memória, das estruturas sociais. Ao longo desses anos, compreendi que não se trata de esconder as marcas, mas de trazê-las à tona como linguagem. A ferrugem, a madeira, o concreto, o ouro e o papel se tornam aliados nesse processo de costurar o que foi rompido. O que proponho aqui não é uma resposta, mas uma travessia — um convite para caminhar comigo por entre as rachaduras, os gestos, os mapas e os restos. Porque é nesse entre, nesse espaço onde algo se rompe mas também resiste, que reside a potência de criar, de continuar e de existir.